terça-feira, 28 de julho de 2009

Crônica sobre o amor



Prólogo


– Isso de mandar carro de telemensagem é uma coisa tão brega! – pensei alto ao presenciar a chegada do espalhafatoso “carro-cupido”, que fez parar a aula no Instituto naquela tarde.

Nosso diretor, um dos vários espectadores da cena, capturou o pensamento precipitado, e, indicador e polegar unidos, agitando uma pitada no ar, sentenciou:

– Brega, não. São adolescentes. – e, com expressão querúbica, arrematou expansivamente – È l’amore...

O italiano é por minha conta, o idioma era o português das planícies dos goytacazes. É que, após um olhar mais cuidadoso para aquele jovem casal, que trocavam beijos apaixonados no pátio, e a categórica asserção do diretor, me convenci de que cairiam feito uma luva para a ocasião violinos e um acordeom – em serenata à italiana. Entretanto, devido às implicações da vida moderna – mutatis mutandis –, eis ali o aparatado e ruidoso carro de som – Fiat, ao menos. Toda a composição daquela cena fez sair dos bastidores da minha cachola a desassossegada e repetente questão do amor. E fiquei a ruminar umas ideias.

Reflexão

À magnífica pilha de um sem-número de reflexões parciais e de utilidade duvidosa sobre o amor, arrogo a liberdade de acrescentar mais uma. Essa com uma diferença frente às mais recentes: não nega o amor, mas afirma-o. E o faz por meio de argumentos há tempos fora de moda: a defesa de sua imutabilidade e eternidade.

O amor é eterno. Não muda. E duvido que algum dia mude. O amor é o mesmo sempre e, para sempre, o mesmo. Intenso e cordial. Combativo e delicioso. Tanto aqui, como na China. Mas antes de alguém se armar contra esse argumento, por não acreditar na permanência de coisa alguma, confio-lhe algo transitório: os amantes. Esses, sim, mudam. E mudam mesmo. Mudam até sem querer.

Os amantes estão para o amor, como os marujos de uma pequena embarcação estão para uma ilha desconhecida. Aos olhos destes, a ilha, pequenina e distante, inquieta e esquiva, parece dançar sobre as espumas do mar. Ora afastando-se, ora aproximando-se deles. Truque de ilha desconhecida: obviamente quem se move é o barquinho, agitado pelo mar – co-autor no truque.

Nessa alegoria, entenda-se o mar como o tempo. Ambos, abismos. Abismos que tragam as vontades humanas, implacavelmente.

Poucos marujos, e amantes, se dão conta dessas coisas, pelo menos enquanto maravilhados diante da ilha, ou do amor. Quem sabe, empenhem-se por evitar tais pensamentos. Mas, mesmo sem querer, todos convivem com sua presença sinistra. E, no último instante, talvez, adivinhem.

Quanto à ilha? Permanecerá para sempre naquele canto de mar, tal qual foi vista pela primeira vez – imperturbavelmente ilha –, assim como o amor no tempo. Já os marujos e os amantes, as intempéries da vida cuidam por torná-los outros. Por vezes, irreconhecíveis.

Se essa minúscula reflexão encontrar acolhida em algum espírito, é certo que encontre também alguma tristeza. O que não é de todo ruim, mas pode conduzir ao abatimento. E, sim, isso seria ruim. Como tal efeito não é a intenção desta crônica, a reflexão deve seguir rumo a um desfecho mais animador, sem abrir mão, no entanto, de seu compromisso dialético, e do emprego das ilustrações náuticas.

Assim, continuam a ilha e o amor, que não mudam. Os marujos e os amantes, que mudam. O mar e o tempo, que são abismos. Mas agora a vontade – irmã caçula da necessidade e gêmea da coragem – deixa de ocupar um papel secundário na alegoria e ganha relevo. A vontade funciona feito um tônico milagroso, ou melhor, feito um xarope expectorante para o espírito dos marujos e amantes, e para o leitor abatido.

A vontade verdadeira é capaz de fazer os espíritos eliminarem todo e qualquer desanimo, ou outro sentimento inimigo do amor. De acordo com sua origem, “expectorar” significa “lançar fora do peito”, e por contiguidade, do coração. Daí a escolha pelo xarope. Embora fuja às ilustrações náuticas, a comparação contribui para a peroração do raciocínio, à medida que contribui para um efeito restaurador do propósito original da crônica.

Voltemos à pequena embarcação. Agora basta aos marujos-amantes ingerirem algumas colheradas de vontade diariamente e terão peito de aço e fôlego de nadador para continuar enfrentando o mar toda vez que desejarem aportar na ilhazinha do amor, ou ainda, nas ilhazinhas do amor.

Se é fácil? Nem de longe! E, no final das contas, mesmo chegando lá, quem escapar ao abismo do mar, não escapará ao abismo do tempo. Mas, de qualquer maneira, a ideia de terminar em uma bela praia tropical parece ser muito mais agradável que ficar à deriva e acabar virando comida de peixe, mesmo que metaforicamente falando. Enfim, esse é o tipo de reflexão que resulta da superexposição ao gérmen do amor – muito frequente onde há adolescentes em profusão –, e também do gosto por filmes de piratas e ilhas com tesouros escondidos. Daí a recorrência das ilustrações náuticas – exceto o xarope.


Bruno José – 13/07/2009