quarta-feira, 8 de julho de 2009

Crônica: 1 x 13

1 x 13


Que perdemos a partida não se discute. Mas o jogo, esse são “outros quinhentos” – que vale à pena discutir.

Tanto no futebol quanto na vida, esse negócio de ser ou não ser é apenas parte da questão. Porque a questão mesmo, de cabo a rabo, é bem maior – e, toda ela, atravessada por um sem-número de “entretantos” e reveses, que vêm em torrentes. Nonsense demais? Explico.

Quem já não testemunhou empates que, conquistados de adversários “de peso”, ou efeitos de uma recuperação milagrosa, avultam na galeria de nossa memória não como empates apenas, mas como verdadeiras vitórias morais? Ou vitórias que, resultantes de confrontos levados em “banho-maria” – sem paixão nem brilhantismo – não convenceram ninguém e caíram no esquecimento?

Que se dê a César o que é de César. No torneio de Campos, os garotos de lá fizeram uma grande partida. Atacaram nossa meta com uma verdadeira fuzilaria: foram 13 gols. Mas, como já foi dito, essa é apenas parte da questão, uma fração do acontecido. Eis aqui a questão por inteiro.

Desde a saída de Itaperuna, já era possível sentir a eletricidade no ar.
No ônibus, meninos e meninas cantavam, dançavam, batucavam, fazendo uma algazarra contagiante. Nossos jogadores não pareciam ir bater à casa de um adversário tecnicamente superior, aceitar o convite para um certame comemorativo dos 100 de sua magnífica trajetória. Não. Meninos e meninas, todos, iam porque iam. Avançavam ao encontro de algo que não sabiam – porém, maior.

No caminho, enquanto tentávamos infrutiferamente compor um hino para o nosso time – faltou-nos Fábio com seu teclado de um bilhão de dólares –, o treinador Luciano explicou-me que não tivera tempo suficiente, nem as melhores condições, para preparar os garotos – contara para o torneio com menos de três semanas, uma quadra emprestada e cerca de uma dúzia de garotos bem-intencionados, os únicos voluntários para a batalha. Não esperava nem de longe uma partida fácil. No entanto, estava satisfeito com o empenho de todos até ali.

Ao chegarmos a Campos, descobrimos que tínhamos sido a única equipe de
futsal a atender o chamado do aniversariante centenário – e olha que até aquela data não havíamos completado nem dois meses.

A atmosfera de encantamento continuava. Meninos e meninas, juntos com os demais integrantes da comitiva, agora percorriam animadamente o interior do
campus, observando e sendo observados, fazendo contato com quem encontravam por ali, surpreendendo-se talvez com o fato de que tanto eles próprios quanto os outros compunham a mesma paisagem institucional – como personagens de uma mesma história. Enfim, era chegada a hora do confronto.

Sozinha, nossa torcida valia por uma banda de fanfarra – e mais todo um regimento de cavalaria. A surriada estridente de cornetas contrabandeadas, somada a
os risos e gritos animados da garotada – ora interrompidos, ora ampliados por exclamações (e reclamações) lançadas pelo treinador Luciano – funcionavam como uma inesperada arma secreta. Vibrávamos a cada lance, e tal vibração podia ser sentida por todos ali.

A princípio, impusemos alguma pressão sobre o adversário, o que aumentou nossa agitação e a curiosidade alheia. Mas a equipe da casa dispunha de jogadores com uma melhor qualidade técnica, resultantes de uma peneira de milhares, além de um contingente maior de reservas. Sofrer o primeiro gol seria uma questão de tempo.

E aqui cabe destacar a atuação memorável de nossos heróis. Começando pelo jovem goleiro Sávio, fundamental na contenção da artilharia adversária. Os números teriam s
ido outros se não contássemos com ele. Rafael, Cássio, Felipe, Israel, Vinícius, Antônio, Samuel, Jonatas, Matias e Diogo representaram nossa unidade no torneio. Ter aceitado o desafio, em condições tão desiguais, já os tornava merecedores de reconhecimento.

O bombardeio de chutes contra nossa meta teve início. Nossos jogadores contra-atacavam, sem medo, e até com certa ousadia. Entretanto, a equipe aniversariante, valendo-se de suas vantagens, abriu o marcador.

Uma vez, num comentário sobre a solitária vida do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, alguém disse que a diferença entre ter um único amigo na vida e amigo
nenhum é um deserto de aflição intransponível. Poder-se-ia afirmar algo semelhante sobre sair de uma partida sem marcar gols.

Já nos encontrávamos na segunda etapa do jogo e nosso adversário, até o momento, tinha marcado oito vezes. Nossa torcida – que antes gritava e aplaudia – agora também calava. Num momento de silêncio, um filisteu atirou a seguinte pedrada: “Pelo menos você ganharam um passeio de ônibus para conhecer a cidade grande!”. Foi aí, que, de uma roubada de bola, seguida de um passe rápido e uma leve ajeitada, irrompe aquele chute certeiro – dos pés de Samuel.

Em sua curta trajetória no ar, em seu breve voo, de pouco mais de um palmo de altura, aquela coisa, “toda feita de curvas”, foi aterrissar no fundo da rede adversária, antes passando entre as pernas do goleiro, para explodir em dezenas de gritos de alegria e alívio – nosso big-bang particular, o fim de nossa travessia pelo deserto da não-existência.


Que perdemos a partida não se discute. Mas o jogo, o grande jogo da vida, ah, cara pálida, desse saímos vencedores. Isto pelo simples fato de havermos escrito, ali juntos, um dos primeiros capítulos da nossa história – que diga-se de passagem está só começando.

Texto: Bruno José e Luciano Antonacci.